Ontem ao fim da noite ligo a televisão e dou de
caras com o final dum anúncio a uma futura emissão da TVI.
Vislumbro apenas o título, algo do género: «A casa de quem constrói as casas».
Fiquei tão entusiasmado com o que supus ser uma rara iniciativa para
mostrar ao mundo as condições de habitação do trolha que constrói a casa da
educadora de infância, do médico ou do milionário com visto gold,
que imediatamente carreguei no botão de recuar na emissão e ver o
anúncio de início. Surpresa: a série não pretende dar a conhecer
a habitação de quem constrói as casas, mas sim a de quem as
projecta (idealiza em abstracto) por encomenda de quem tem poder e
capital acumulado – ou seja, a TVI quer mostrar-nos as casas dos arquitectos e espera certamente que nos babemos a vê-las.
Acaso ou não, esta iniciativa da TVI surge numa
época em que várias câmaras municipais – com particular
destaque para a Câmara da Amadora – tentam branquear o facto
brutal de continuarem a despejar e a arrasar as casas de muitas
pessoas que constroem, limpam e cuidam … das casas dos outros. «Até
há pouco, o consenso [na Assembleia da República e no Governo] era
de que não fazia sentido falar em problemas e propostas para a
habitação, não era prioridade para ninguém, e por isso o
testemunho da relatora das Nações Unidas para a Habitação
Adequada foi um murro no estômago» (in http://www.habita.info/,
7/01/2017, por Rita Silva).