Comentando no jornal Público a entrevista dada pelo juiz Carlos Alexandre, que tem a seu cargo uns quantos processos de corrupção e abuso de poder, Francisco Louçã conseguiu o feito notável de produzir um dos discursos mais horríveis que tenho lido nos últimos tempos, colocando-se ao mesmo nível do de Juncker no discurso anual que este fez sobre o estado da União Europeia. Custa-me muito dizer isto, atendendo à consideração que tenho pelo papel desempenhado por Francisco Louçã na cena política portuguesa ao longo de muitas décadas (e independentemente de ter estado ou não de acordo com as suas propostas), mas contra factos não há argumentos. E os factos são estes:
«Um juiz não deve dar entrevistas», afirma
Louçã, pois «está a intervir politicamente»; e mais adiante: «Ao
contrário do juiz, outras figuras públicas devem dar entrevistas,
se o seu espaço natural é o da política». Fica portanto expresso
com clareza cristalina que F. Louçã considera o «espaço natural»
da justiça no Estado burguês absolutamente alheio à política;
remete-a para um espaço imaculado, à margem da sociedade; eleva-a à
categoria de anjo inimputável, mudo, cego e surdo a tudo quanto se
passa na vida política, ou seja, nos conflitos de interesses que
atravessam a sociedade. Mas então, se um juiz nada tem a ver com os
conflitos de interesses que atravessam a sociedade, que raio anda ele
a fazer por cá? Para que serve a justiça ao certo, se não serve
para resolver conflitos de interesse? Qualquer jovem marxista bem
formado com 50 anos menos que Louçã já sabe a resposta a esta
pergunta e é para ele que aconselho Francisco Louçã a dirigir as
suas dúvidas e interrogações.
No momento em que alguns meios na nossa sociedade
começam a admitir (finalmente!) a necessidade imperiosa de
políticos, académicos, comentadores – enfim, qualquer pessoa
detentora de um mínimo de autoridade pública –, fazer uma
declaração de interesses antes de exercer a sua autoridade,
Francisco Louçã vem dizer-nos: não, esperem, calma aí, segurem lá
os cavalos, porque nada disso se aplica à justiça!