31/08/13

Fecha as pernas, que vêm aí as gaivotas

Estávamos acampados numa praia de nudistas – esse lugar onde, ao fim dos 3 dias que olhos pedem para se acostumarem à luz, se revelam belos os mais improváveis corpos, porque só sob a exuberância da luz nua se pode exercer o olhar que o urbano pundonor cega.

Estávamos ociosamente estendidos ao sol – eu, a minha namorada, e a namorada da minha namorada. Era essa hora poente em que as gaivotas, talvez atraídas pelo cheiro dos peixes que os pescadores abandonam no areal, decidem patrulhar as areias, aventurar-se mesmo à beirinha dos banhistas, como se fossem bicá-los, e lançar aqueles gritos de duvidoso significado, se retirarmos da cena a imagem que lhes identifica a origem.

Nisto, diz a minha namorada à amiga: «Fecha as pernas, que vêm aí as gaivotas.»

E de facto, dou-me conta então – e só então, e não daria, não fora esta observação (ou piropo?) da minha amiga – que flutuava no ar um cocktail de odores especioso, feito de eflúvios de maresia e vulva (não sei já dizer qual delas), uma miscelânea duma elegância rara, irresistível, inebriante e langorosa no mesmo lance.

É preciso guardar gratidão eterna a essas pessoas que têm a qualidade rara de nos atirar frases destas, de nos impor o óbvio, que fazem os cegos levantar-se e ver, e sem as quais permaneceríamos mutilados de nós mesmos toda a vida.


[texto de combate à estupidez da UMAR e poema de homenagem ao sentido mais reprimido pela civilização europeia ocidental: o olfacto]
[corrigido em: 31/09/2013; 1/09/2013]

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