21/09/12

O Diário Económico volta a zurrar


O Diário Económico publicou em 20-09-2012 mais uma das suas rematadas burrices: «Funções sociais são as que mais pesam no PIB». Pelo título já se percebe que quem escreve estes artigos ou é semianalfabeto, ou tirou o curso de economia em 6 meses, ou anda a treinar escrita surrealista. Que raio têm as funções sociais dum Estado a ver com o PIB? Como podem elas pesar ou ser leves no PIB? Mistério... ou talvez não...


O Diário Económico [um dos mais destacados jornais de economia do país] tornou-se uma espécie de batedor dos ultraliberais. Há cerca de duas semanas lançou uma armadilha ao público: a petição «Não a mais impostos». Lido o texto desta petição que pretendia reunir milhares de assinaturas, descobria-se que afinal o sedutor título escondia um apoio inequívoco às políticas de austeridade – a iniciativa enquadra-se na campanha em curso para formar um governo de «salvação nacional» ao gosto da Troika.

Começando por pôr em letras garrafais a ideia absurda de que as funções sociais do Estado pesam na produção interna bruta (PIB) de bens e serviços, este novo artigo prossegue até ao fim no mesmo tom de burrice, venalidade e falsidade. Deixemos de lado o PIB e vejamos o que o nos diz o Orçamento de Estado de 2012 (na verdade as contas do Estado podem ser abordadas de várias maneiras; vamos aceitar a abordagem escolhida pelo Diário Económico, para facilitar):

Serviços sociais (saúde, educação, cultura, habitação, etc.) = 15,8% das despesas.
Outros serviços do Estado (defesa, administração, funções económicas, etc.) = 14,2% das despesas.

Mais décima,menos décima, o artigo do Económico começa por dizer-nos aproximadamente a mesma coisa no que se refere às despesas sociais; mas logo a seguir afoga-nos numa cascata de números incompreensíveis, assustadoramente grandes para quem ganha um ordenado modesto – são milhares de milhões atrás de milhares de milhões; a coisa é terrífica para qualquer leitor leigo na matéria e cria um clima óptimo para impingir a ideia de que as despesas sociais são excessivas. Mas é claro que nada disso altera um facto simples e muito mais fácil de compreender: as despesas sociais, por junto, constituem 15,8% das despesas de Estado.

Perante estas percentagens (14,2% + 15,8% = 30%), não podemos deixar de fazer uma pergunta que pelos vistos não coube no crânio dos redactores do Económico: mas então para onde vão os restantes 70% de despesas do Estado? A resposta é simples e está patente no orçamento de Estado: vão para o serviço da dívida pública. Mas esta não é a única pergunta essencial que não coube nas cabecinhas do Económico. Para que todos estes números façam alguma espécie de sentido, temos de fazer mais duas perguntas fundamentais.

Para que servem as despesas sociais do Estado?

O Económico fala da despesa social do Estado como se estivéssemos a lidar com um menino maroto que foi à carteira do pai, sacou o dinheiro que lá estava e o atirou pela janela fora.

O que acontece é algo bem diferente, muito mais conforme à boa tradição ética e até cristã: o Estado faz despesas sociais para que os mais fracos, desprotegidos e doentes não morram como cães no meio da rua. Faz despesa para proporcionar às pessoas um ensino, graças ao qual elas depois vão trabalhar e proporcionar lucros às empresas; faz despesa para que esses trabalhadores ao serviço dessas empresas não adoeçam de morte e deixem de poder trabalhar; faz despesa para construir estradas por onde as empresas fazem circular os seus produtos; etc. É uma despesa necessária à sobrevivência das pessoas, à «economia» (essa entidade abstracta e divinizada), à redistribuição de toda a riqueza criada no país e a outras tarefas de solidariedade que caracterizam uma sociedade civilizada, por oposição à barbárie. Portanto é uma boa despesa até do ponto de vista capitalista, atendendo a que se trata de manter os trabalhadores vivos, de boa saúde e a consumir a rodos.

Mas afinal quem paga tudo isto?

Para fazer despesa, é preciso fazer receita. A maior parte da receita do Estado vem dos impostos e contribuições. Paga impostos o trabalhador; paga impostos o capital. Vamos ser simpáticos para o Económico – façamos as contas ao que cada um paga, em percentagem do PIB. Tomemos o ano de 2011 como referência, recordando que o PIB designa o valor monetário total dos bens e serviços produzidos numa comunidade (família, região, cidade país, seja o que for).

Segundo um estudo rigoroso de Renato Guedes (nos escaparates a partir de Outubro próximo), os trabalhadores pagaram em impostos o equivalente a 25% do PIB; o capital entrou com cerca de 9%. A totalidade das despesas do Estado foi equivalente nesse ano a 49% do PIB. O estudo revela – contrariando o chorrilho de aldrabices que nos tem sido servido nos últimos anos – que o montante de impostos e contribuições entregue ao Estado pelos trabalhadores é mais do que suficiente para cobrir as despesas sociais.

Se olharmos para o PIB duma família portuguesa média e subtrairmos as despesas de saúde, alimentação, transportes, educação, comunicações, habitação, vemos que pouco ou nada sobra. E então compreendemos que a percentagem de gastos sociais do Estado em relação ao orçamento geral de Estado (15,8%) e ao PIB (cerca de 9%) é ridícula. Devia ser muito mais.

Saber se a despesa está a ser bem gerida ou mal gerida é uma coisa. Dizer que a despesa social do Estado está a pesar ou a ser excessiva em percentagem do PIB é uma burrice inominável. Principalmente quando nos apercebemos de que a maior parte do dinheiro que os trabalhadores entregam ao Estado (na esperança de o reaverem mais tarde sob a forma de bens e serviços) está a passar directamente para as mãos do capital privado através do serviço da dívida pública.

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