29/03/12

Galeria de facínoras e traidores

O texto que segue assenta no seguinte pressuposto, demonstrado pelos factos descritos mais adiante: 
Já não é possível falar em simples oposição ao poder e aos partidos instalados no poder; encontramo-nos claramente numa fase de resistência, na plena a acepção do termo – incluindo questões de segurança pessoal dos activistas e dos movimentos cívicos. Estas questões são da maior gravidade e incluem o atentado à integridade física, à liberdade e à carreira profissional dos activistas. Já não existe meio termo possível: ou se está com estes activistas perseguidos e os seus objectivos de luta, ou se está pidescamente do lado dos opressores.
Não entender ou ignorar estes dados de partida significa nada entender do que se está a passar neste país. 

Vamos aos factos.


  1. Há cerca de 6 meses a direita e a social-democracia portuguesa lançaram uma campanha, através dos seus comentadores de serviço: criaram uma divisão clara no campo da esquerda e da resistência social às medidas de austeridade – as manifestações e outras acções dos sindicatos e dos partidos de esquerda parlamentar são classificadas de bem comportadas e legítimas; as acções do mesmo tipo praticadas pelos movimentos sociais autónomos são classificadas de destrutivas, ilegítimas e desordeiras. Esta classificação deriva da profundidade dos protestos e reivindicações dos segundos e serve para «justificar» a sua repressão violenta.
  2. Face a esta campanha pública, os «bem comportados» tinham duas opções: ou rebatiam a campanha da direita e se solidarizavam com todos os movimentos cívicos e de resistência, ou aproveitavam a campanha para se distanciarem e ganharem pontos no jogo institucional. Optaram pela segunda via, declarando por diversas vezes que nada tinham a ver com os movimentos sociais independentes e corroborando as acusações da direita.
  3. Uma vez garantida esta aliança institucional, o poder político sentiu-se à vontade para ordenar às forças da repressão que introduzissem elementos provocadores nas manifestações dos movimentos sociais, passando à agressão e ao banditismo persecutório. Começaram a partir-se umas quantas cabeças. Esta política de intimidação e repressão torna-se sistemática a partir do 15-Outubro-2011.
  4. Entretanto começámos a assistir a campanhas difamatórias, intrigas, falsificação de testemunhos e de documentos audiovisuais, intimidações – enfim, a toda a série de truques clássicos através dos quais os activistas autónomos são reduzidos ao silêncio e ao terror, deixando o terreno livre aos militantes obedientes e sem espinha dorsal.
  5. Uma consulta às redes sociais digitais revela esta coisa espantosa: o Ministério da Administração Interna permitiu que as forças «da ordem» fossem infiltradas por centenas de mercenários cujo espírito antidemocrático ou mesmo fascista, racista, xenófobo e de ódio de classe são explícitos em cada linha publicada naqueles fóruns. Os textos aí patentes são assustadores, demonstrando a sede de sangue e assassínio de uma parte considerável dos elementos das forças policiais – com propostas de espancamento, fuzilamento e eliminação por afogamento no mar. Sendo certo que uma parte dos elementos das forças policiais não terá esse carácter (certamente os que não querem participar nos referidos fóruns, sendo portanto «invisíveis»), ainda assim a percentagem de facínoras é arrepiante – bem como o beneplácito das autoridades políticas.
  6. Passado algum tempo, o poder político arrancou com a fase seguinte do plano intimidatório: perseguição e processos judiciais individuais, tentando isolar os activistas da resistência. O sector «bem comportado» manteve o silêncio.
    Neste momento existem vários activistas sujeitos a invasão domiciliar, processo judicial instaurado pelo Ministério Público, ameaça de prisão e outras sanções. Reacção dos «bem comportados»: silêncio.
  7. Várias organizações cívicas autónomas decidiram apelar à população para vir à rua protestar, em manifestação pacífica, durante o dia da greve geral.
    Esta iniciativa é claramente a mais adequada à situação política presente – a esmagadora maioria dos trabalhadores não pode fazer greve sob pena de perder o emprego no fim de mês; por outro lado, a quantidade de desempregados (e portanto de gente disponível para manifestar o seu protesto activamente) é em número nunca visto na sociedade portuguesa.
  8. A direcção da CGTP ignorou (sem resposta) os pedidos de reunião e acção unitária, esperou calmamente a revelação da hora e local da convocatória para a manifestação e por fim emitiu outra convocatória, para o mesmo lugar, uma hora antes. A intenção táctica é de uma inocência cândida: trata-se de impedir que os militantes sujeitos a disciplina partidária convivam com os movimentos independentes e se habituem à acção unitária. Chamo a isto o «complexo de Romeu e Julieta» – impedir que os Capuletos convivam com outras tribos, evitando assim «casamentos» (e até suicídios…) indesejáveis do ponto de vista das direcções partidárias retrógradas.
  9. Dentro dos movimentos cívicos autónomos, os militantes partidários que neles participam deram o seu acordo e apoio à convocatória da manifestação, olhos nos olhos, e comprometeram-se a participar na divulgação. Alguns deles viriam a falhar as tarefas de divulgação, não por estarem de baixa por doença, mas com clara intenção de boicote.
  10. No próprio dia da manifestação, sob ordens partidárias vindas «de cima», muitos destes militantes abandonaram a coluna dos movimentos sociais autónomos e tentaram integrar a manifestação da CGTP – curiosamente foram recebidos à paulada (esta expressão deve ser entendida factualmente e não metaforicamente). [É preciso fazer notar que alguns militantes partidários não acataram as ordens «de cima» e mantiveram-se integrados na manifestação organizada pelos movimentos autónomos.]
  11. Alguns agentes das forças da repressão infiltrados na manifestação começaram a criar distúrbios ao longo do percurso da manifestação. A este facto junta-se o de um número restrito de manifestantes (provavelmente a ala mais jovem e anarquista) se entusiasmarem e lançarem ovos às fachadas dos bancos. Estes actos viriam a «justificar» uma intervenção brutal da polícia de choque, onde todos comeram por igual – turistas, manifestantes pacíficos, jornalistas, idosos, etc. A única coisa que não aconteceu foi aquilo que seria de esperar (do ponto de vista duma polícia regular, entenda-se): identificação dos elementos «provocadores», sem molestar os restantes cidadãos e o legítimo exercício do protesto. O desenrolar dos acontecimentos viria a provar que também estava preparada uma campanha mediática, nalguns jornais e na televisão, contra o movimento da resistência
  12. A carga policial não foi casual nem aleatória, não aconteceu no Chiado por força das circunstâncias. Muito antes de os manifestantes chegarem ao Chiado elementos da polícia entraram no café Brasileira do Chiado e deram ordens para que a esplanada fosse esvaziada de copos, garrafas e demais objectos passíveis de arremesso – conforme comprova testemunho publicado na Internet por um cliente. Assim, o terreno foi militarmente preparado para uma carga militar premeditada; as ruas à volta foram militarmente bloqueadas, fechando os pontos de fuga.
  13. Cerca das 11h da noite Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, afirma em entrevista directa na televisão que a CGTP nada tem a ver com os acontecimentos do Chiado; mais: declara que os movimentos sociais autónomos praticam actos de vandalismo.Mais ainda: no dia seguinte a direcção da CGTP viria a público declarar que estava pronta para negociar com o Governo. Negociar o quê? - não se sabe.
  14. É preciso ter presente alguns factos objectivos, conforme atesta um inquérito de campo publicado neste site e que continua a ser válido: as pessoas que o secretário-geral da CGTP apelida de vândalos são professores, arquitectos, engenheiros, artistas, técnicos, bolseiros, estudantes e reformados; a esmagadora maioria desempregados ou precários; salvo raras excepções, a totalidade dos que conheço pessoalmente são pacifistas convictos e coerentes; existe, como sempre existirá em toda a parte, uma dúzia de exaltados; nenhum vândalo ou facínora. As declarações Arménio Carlos são portanto, acima de muito infelizes, injustas e difamatórias, merecendo claramente punição política e legal; são também nitidamente coordenadas com a campanha lançada pela direita no sentido de isolar a resistência e os objectivos concretos de luta dos movimentos cívicos autónomos. Até à data o secretário-geral da CGTP, que tem acesso à comunicação social sempre que queira, ainda não veio a público retractar-se e pedir desculpa das suas declarações abjectas.

Temos aqui dois tipos de situações: 

  1. Um exército de facínoras que não hesitam em introduzir actos e elementos provocatórios no campo da resistência e em agredir a população à bastonada. Estes facínoras têm duas proveniências distintas: certas organizações políticas ou sindicais e o poder político instituído. Como a natureza dos seus actos é exactamente igual e os bastões de uns e outros magoam em igual medida, iremos mantê-los juntos na nossa galeria de facínoras.
  2. Uma série de actos de traição da parte de pessoas e organizações ditas de esquerda. Esses actos são neste momento da maior gravidade, pelas razões invocadas no início deste texto, e podem dar origem a novas situações de repressão e à destruição da vida pessoal e profissional de muitos activistas.
    Uma vez demonstrada esta apetência para a traição e para a ruptura da unidade no campo da resistência, a situação dos activistas alvo de perseguição torna-se extremamente preocupante - é de prever que o poder político se sinta à vontade para realizar novos actos persecutórios brevemente.


Do blog Para Mim Tanto Faz, onde se pode encontrar uma descrição pormenorizada da sequência dos acontecimentos do Chiado:
«[...] quando a marcha ordeira da CGTP chegou à zona da esplanada da pastelaria Benard, os manifestantes não seguiram em frente, para o Chiado, em direcção ao Largo do Camões... Não. A marcha da CGTP virou depois à direita, na rua Serpa Pinto. E o que fez a polícia? Fechou a rua.
A polícia fechou a rua Serpa Pinto e não deixou outros manifestantes seguirem na marcha "oficial" da CGTP. Assim, para trás, no cruzamento entre a rua Serpa Pinto e a rua Garret, ao lado da Livraria Sá da Costa, junto à pastelaria Bernard, ficaram os elementos "indesejáveis" à CGTP. Estes eram os jovens conotados com movimentos anarquistas, os "anónimos" ou cidadãos solidários com a greve, mas não identificados com grupos sindicais ou políticos. E, claro, rebentou a confusão  [...]»

Perante tudo isto, temos de tomar uma atitude de protecção dos activistas da resistência, como se fazia antes do 25 de Abril – isolar os mercenários, os bufos e os traidores.
Nesse sentido inauguramos hoje aqui duas galerias de retratos: a dos facínoras; a dos traidores dos quais os activistas de esquerda se devem precaver. A única forma de o fazer é criando uma galeria de retratos.
Provisoriamente alguns desses retratos são deixados em suspenso – uns por não se encontrarem ainda disponíveis (caso de alguns elementos da polícia e dos cordões de segurança da CGTP); outros por lhes querermos dar a oportunidade de autocrítica até à realização da próxima reunião dos respectivos colectivos - se esses elementos decidirem não se retractar, os seus retratos na galeria de traidores serão activados.

O mundo não é imutável

Por mais desagradável que esta galeria de retratos seja, ela é necessária – em defesa da luta de resistência contra a austeridade, a pobreza, o desemprego; em defesa da segurança dos activistas que com enorme sacrifício arriscam a sua vida pessoal.
Mas o mundo não é imutável, nem as pessoas. Por isso tão-pouco a galeria será imutável – se as pessoas aqui denunciadas mudarem de rumo e deixarem de actuar como perigosos inimigos do activismo político, obviamente serão retirados da galeria.

Unidade, unicidade e burrice

A militância portuguesa continua a confundir unidade com unicidade. Diferentes pessoas ou movimentos não têm de coincidir nas ideias para coincidirem nas acções pontuais. A unidade destas acções é totalmente independente da uniformidade ideológica. Apenas a burrice, a fraqueza e a falta de capacidade de manobra política podem justificar a confusão entre unidade e unicidade.
Aqueles que cometeram actos de traição contra os seus companheiros estarão sempre a tempo de demonstrar a sua retractação. Mas isso não é coisa que se faça da boca para fora. Faz-se mediante actos concretos. Quais?
Propomos, por exemplo, acções unitárias concretas de luta contra: o trabalho precário; o desemprego; as taxas de IVA; a repressão policial e a perseguição judicial a activistas de esquerda; a liquidação das políticas culturais; a privatização da água; etc. Há muito por onde escolher.

Galeria de traidores e bufos


 


Galeria de facínoras







Relatórios vários sobre os acontecimentos de 22Março2012 em Lisboa e Porto

http://www.tretas.org/AgressoesPoliciaGreveGeralMarco2012
um relatório extenso sobre os acontecimentos


DN - http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=2379129
confrontos na manif da CGTP (versão soft)

Jornalista Rita Marrafa de Carvalho no seu mural do Facebook:  «Só vou dizer isto uma vez, Sr. Ministro... Já me chamaram Chula, FDP, otária, sanguessuga and so on, and so on. Sempre que o fizeram, eu estava com um microfone da RTP a desempenhar o meu trabalho. Nessas circunstâncias, por mais vontade que tivesse, nunca reagi violenta ou agressivamente. Quer em palavras, quer em actos. Por isso, Sr. Ministro... se os senhores agentes foram "provocados", penso que foram treinados para... não reagir. O objectivo é manter a ordem e não vingar a honra da mãe.»

Um agente do Corpo de Intervenção que pediu o anonimato: «quando dão a ordem para avançar, é quase impossível travar-nos, já não ouvimos ninguém, deixa de haver uma linha de pensamento, e a questão de serem fotojornalistas ou cidadãos nem se nos coloca naquele momento: a nossa função é limpar o local». «Na greve de 24 de Novembro detivemos um homem que estava a dar pontapés nas grades frente à Assembleia da República, mas quando já estava algemado disse que pertencia às brigadas de investigação criminal da PSP.»

1 comentário:

  1. Bom dia. Li de uma ponta à outra.
    Obrigado pelo artigo.
    Esclarecedor.
    EB

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